
O universo das águas abertas é sedutor. No último sábado (27), a Ultra do Ita, prova com 15 km em Bertioga (SP), atraiu nadadores consagrados, com passagens pela seleção brasileira principal, participações em Mundiais, Copas do Mundo e até Olimpíadas.
Mesmo que não tenham tido as provas de fundo ou até o nado livre como especialidade, atletas que chegaram à elite mundial nas piscinas se aventuraram na correnteza do maior rio paulista que deságua no oceano para uma ultramaratona.
O peitista Henrique Barbosa disputou os Jogos Olímpicos duas vezes (Pequim 2008 e Londres 2012), além de Mundiais em piscina curta (25 m), etapas da Copa do Mundo e Jogos Pan-Americanos. Nessas competições conquistou uma medalha de ouro, seis de prata e cinco de bronze. Ele também foi recordista brasileiro dos 200 m peito, com 2min08s44, e do revezamento 4 x 100 m medley.
Fábio Santi é um excelente nadador de costas, cujos melhores tempos são 54s42, nos 100 m, e 1min59s38 nos 200 m. Ele disputou etapas da Copa do Mundo e da ISL (a liga profissional de natação), defendendo o Aqua Centurions. Na etapa do Rio da Copa do Mundo de 2010, Santi conquistou a medalha de bronze nos 200 m costas, com 1min55s82 (piscina curta).
No rio Itapanhaú, Santi integrou a equipe campeã da prova, e Barbosa fez parte de Os Picaretas, que terminou na segunda colocação. Os Pesos Pesados, que defendiam o título do ano passado, terminaram em terceiro lugar. Apesar da queda no pódio, eles aprovam a participação desses atletas. “Acho muito legal. É a chance de ver de perto esses caras e a prova cresce”, afirmou Rodrigo Zevzikovas, o Z, que neste ano atuou como apoio.
A sensação de só perder para a elite
Alexandre Massayuki Oikawa, o Batata, tem sentimentos ambíguos. “Como competidor, é frustrante, pois não temos chances de vitória”, afirma Batata. “No entanto, como nadador, é excepcional aprender, analisar e compreender que há muitas coisas a serem melhoradas. Além disso, a prova se torna cada vez maior.”
Ele fez o terceiro e último trecho da prova. Caiu na água um pouco depois de Santi e, confiante como todo atleta deve ser e sem saber de quem se tratava, comentou com colegas: “Vou buscar”. Experiente em competições em águas abertas, Batata logo percebeu que não conseguiria cumprir a tarefa. “A cada braçada, ele se distanciava ainda mais. Naquele momento, senti muita frustração”, contou. “Esse sentimento só mudou quando descobri quem ele realmente era.”
Paulo Barbieri, o Tula, nadou o segundo trecho e enfrentou Barbosa. “Não consigo afirmar que era ele, mas o primeiro a me passar passou e sumiu”, afirmou Tula. “Foi antes de eu ver a ponte, antes do km 1”, completou.
Horas depois, ele recebeu o resultado da prova impresso que mencionava um integrante da cada equipe e ficou assim: Fabio Arikawa Santi em primeiro, Henrique Barbosa em segundo e Paulo Barbieri em terceiro. “Só perdi para a elite”, brincou Tula. “Acho muito legal e motivadora a participação desses atletas.”

Prova causa insônia em velocista
Lucia Rosiane Santos foi uma das melhores velocistas brasileiras na década de 1990. Participou do Mundial de Perth de 1998 e de três versões em piscina curta, em 1995, 1997 e 1999. Em Bertioga, ela integrou o Miler Team Girls Power, com Elis Santos e Clarice Hashizume, que terminou na segunda colocação entre as equipes femininas.
Apesar da experiência em competições, que inclui Sul-Americano, Universíade e duas Copas Latinas, Lucia disse que estava apreensiva e ansiosa. “Não consegui dormir à noite.”
Ela disse que sua preocupação era ficar sozinha durante o percurso. “Mas com todas aquelas pessoas fui vendo que eu nadaria sempre com alguém”, disse Lucia, que aos 50 anos cursa educação física e é auxiliar do setor administrativo na secretaria de esporte da Unisanta, clube que defendeu de 1989 a 2000.
A nadadora conta que foi sua primeira prova acima de 2.000 metros. “Sempre fiz as menores. Tenho cabeça de velocista”, afirmou ela, que nadou o último trecho. “A temperatura da água estava perfeita. Na última curva e no final, o mar estava mexido e um pouco contra, mas amei.”
Elis Santos, com experiência na prova, concorda com a análise da companheira de equipe. “Este ano o rio não estava jogando tanto quanto no ano passado. O último trecho foi punk.”
A Ultra do Ita também já contou a participação de Manuella Lyrio, especialista nos 200 m livre e que disputou os Jogos Olímpicos do Rio 2016.
Novatos terminam com sensação de dever cumprido
Formada por três atletas estreantes, a equipe PEC São Caetano terminou a ultramaratona em 3h26min45s. “A prova foi maravilhosa”, afirmou Rubens Buset, o Rubão. “Fiz bem tranquilo, nadei alongado e encaixado”, completou. “Gostei bastante”, afirmou William Perez, que abriu o revezamento. “Achei que não teve muita correnteza no primeiro percurso. Foi uma prova mais de braço.”

Diogo Fresneda foi o responsável pelo trecho final. “A prova teve o grau de dificuldade que eu esperava. O que mais me consumiu foi a navegação, pela inexperiência”, afirmou ele, que começou a ter aulas de natação em 2022 no Programa Esportivo Comunitário (PEC) de São Caetano do Sul (SP). “Terminei a prova 100%, com sensação de dever cumprido e que poderia ter apertado mais”, disse Fresneda, que declarou ter certeza que fará a prova novamente, “possivelmente um solo”. “Talvez 2024 ainda reserve alguma surpresa nas travessias envolvendo o selo 14 Bis. Veremos.”
De corpo e alma no rio
Foi sozinho que Bruno Basei estreou. “Foi sensacional”, afirmou. “Lugar lindo demais. Eu me preparei para a prova e estava de corpo e alma no rio. Consegui manter um ritmo forte e constante e terminei bem. 15 km em 3 horas e 38 minutos como planejei.”

O professor de educação física disse que terminou a prova inteiro apesar de a correnteza estar mais fraca do que nos treinos que fez em trechos do rio. “O psicológico deu uma abalada nos 10 km quando vieram as dores no ombro, mas me concentrei e passaram.”
Ele contou também uma situação que só atinge alguns: a interrupção da prova por causa da balsa. “Deu uma boa bagunçada no final. Até soltar a musculatura e encaixar o nado demorou, mesmo sendo no quilômetro final”, afirmou Basei. “Mas é parte da prova e temos que lidar também, certo?”
Lá na frente, Luiz Felipe Lebeis confirmou o favoritismo e conquistou o título da prova pela terceira vez, após as vitórias de 2019 e 2023. “Achei uma prova dura, com o rio um pouco parado”, afirmou Lebeis, que no dia seguinte disputaria os 5 km da Travessia Poliana Okimoto. “Vai com o que sobrou”, disse ele, sorrindo após completar os 15 km. Ele venceu a prova no domingo.
Fim de semana com rio e piscina
Em preparação para o Canal da Mancha, Thais Fernandes Sant’Ana venceu a categoria feminina, e Marcos Fraccaro terminou a prova em quarto lugar. “Vim buscando o terceiro colocado, mas nessa fase da preparação não estou com velocidade”, disse Fraccaro, que assim como Thais enfrenta o Canal da Mancha em agosto. “Nadei em um ritmo constante e gostei de como me senti. O volume de preparação está alto, então foi bem bacana.”
Fracarro contou que houve uma inversão de papéis durante o fim de semana com sua esposa, a também nadadora, mas velocista Carla Sturion, que o acompanhou de caiaque.
Um dia depois da Ultra do Ita, eles estiveram no Pinheiros, em São Paulo, para a segunda etapa do Circuito Paulista de masters de natação. Carla participou da equipe feminina 120+ que estabeleceu novo recorde sul-americano no 4×100 m livre. “Eu não nadei (no Pinheiros). Agora não dá para nadar piscina nem que eu queira”, afirmou. “Então a gente inverteu os papéis. No sábado, ela foi meu apoio e no domingo eu fui o apoio dela.”
Sensacional. Os textos estão ótimos, muito gostosos de ler. Parabéns pelo trabalho!!!!!!
Obrigado, meu caro. Considero muito sua audiência e sua opinião.
Apaixonada pelos seus textos.
Obrigado pela leitura, Lili. Siga acompanhando.
Feu, você, como nadador e jornalista experiente que é, consegue contar uma história de modo tão natural e prazeroso que a gente nem sente o texto passar. Até parece que estamos nadando junto com cada atleta.
Parabéns!! Continue firme em seus objetivos. Conte comigo e com a Associação 14 Bis para o que precisar.
Isso é que legal, cada atleta uma história. E foram vários lá no Ita!
Que legal, vários relatos de provas, diferentes objetivos e experiências.
Obrigado pelo comentário, Larissa. As águas abertas guardam muitas histórias que merecem ser contadas. A da L&L com certeza é uma delas!
Excelente texto Feu, adorei. Muito bom mesmo.
Obrigado, Mara. Repito: espero encontrá-la em mais provas neste ano.