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Imagine você ter como objetivo disputar uma prova de triatlo, mas ter medo de nadar em águas abertas. Para superar este obstáculo, você ganha como anjo uma medalhista olímpica na maratona aquática. Foi isso que aconteceu com Rafa Pereira.

Neste domingo, ele faz sua estreia em uma prova deste tipo ao lado de Poliana Okimoto na praia do Indaiá, em Bertioga (SP). Serão 500 metros no evento que leva o nome da primeira mulher brasileira medalhista olímpica na história da natação. Ela foi bronze nos Jogos do Rio 2016.

Rafa, 39, ganhou a escolta tão ilustre ao ganhar um concurso da Travessia Poliana Okimoto. A organização pedia que o interessado contasse sua história, e o escolhido contaria com o apoio de Poliana no percurso. A prova de 500 metros foi idealizada pela nadadora para pessoas com vontade de nadar em águas abertas, mas que têm receio ou não sabem por onde começar.

O professor de inglês já estava inscrito na prova e soube da iniciativa na quarta-feira, um dia antes da divulgação do resultado, e não titubeou em relatar sua história. 

Rafa começou a nadar com 9 anos, após recomendação do médico para tratamento de bronquite. Nadou até os 16 anos. A volta às piscinas aconteceu aos 25. “Nadava sem ritmo nenhum, sem fôlego. Fazia 25 metros e ficava sem respirar”, afirma ele.

Homem com calção azul nada e respira para a direita
Rafa Pereira treina na piscina

Até aqui uma história parecida com milhares de outras. A diferença é que ele nasceu com uma deficiência física. “Pé torto congênito. É como se fosse o curupira”, conta Rafa. Com poucas semanas de vida, passou pela primeira cirurgia. Os médicos falaram que ele demoraria a andar, talvez com quatro, cinco anos. “Andei com menos de um, graças aos estímulos da minha mãe”, afirma. “Usei gesso nos pés para poder fixá-los na fase de crescimento.”

Rafa conta que passou por cinco cirurgias em cada pé. A última delas aconteceu em 2002. “Eliminaram tendão do dedão, que ficou sem mobilidade. Nos outros dedos, só tenho mobilidade para baixo, nos dois pés”, afirma ele, que mora em Itapevi, cidade da Grande São Paulo. 

Ele conta que consegue nadar os quatro estilos. “Mas meu tempo vai sempre ser diferente. Meu pé bate reto. Nado do meu jeito e me adaptei ao longo do tempo”, disse. Uma professora de natação o convidou para treinar no centro paralímpico, em São Paulo. “Mas pela minha rotina é bem difícil.”

Medo de águas abertas até no vídeo game

Com pretensão de competir no triatlo, Rafa precisa agora superar o medo de se aventurar em águas abertas. “Tenho muito medo e me inscrevi nos 500 metros para conhecer. Vai ser uma superação do medo. Fobia. Até em vídeo game, quando tem alguma missão em águas abertas eu não faço.” 

Ele conta que pensou em se inscrever em uma etapa no ano passado, na represa Guarapiranga, em São Paulo. “O medo me impediu. Falei que uma hora teria que enfrentar isso e me inscrevi agora.”

A meta é disputar um prova sprint do triatlo (750 m de natação, 20 km de ciclismo e 5 k de corrida) ainda neste ano. Ele já viu provas em Sorocaba e Indaiatuba, no interior de São Paulo. Nos treinos, Rafa diz que faz regularmente duathlon (ciclismo e corrida) e aquathlon (natação e corrida).

Para correr, ele usa um tênis comum, nem mesmo a palmilha é especial. “Existe uma limitação, então tenho que adaptar o movimento. Já corri 17 km, mas não posso me preocupar com o pace. Tenho boa resistência”, afirma ele, acrescentando que quem vê percebe que ele corre de maneira diferente.

Homem corre com tênis amarelo
Rafa Pereira participa de prova de atletismo

Rafa nada de 3 a 4 vezes por semana. “Como é em uma academia, são só 45 minutos por aula”, afirma. Nesse intervalo, consegue nadar de 1.300 a 1.400 metros.

Com 1,69 m e 91 kg, Rafa começou o acompanhamento de uma nutricionista para me preparar. A profissional é Sarah Camargo, a namorada dele. “Por enquanto ela não treina comigo, mas ela me acompanha em tudo e está vendo como é a luta”, conta ela. “A gente começou a correr juntos, mas ela teve que parar. Vou incentivá-la a voltar.”

Dupla faz vídeos com piada ruim e bilingue

Outro que deve acompanhá-lo em breve é o filho Felipe, de 9 anos. “Ele nada e gosta. Ele está aqui comigo. Quero mostrar como é, e logo, logo ele vai estar fazendo provas comigo.”

Felipe já é parceiro do pai em vídeos que a dupla faz para o Instagram. Eles fazem “piadinha ruim e bilingue” como descreve Rafa e até Felipe “reclamando” de ter que ficar esperando o pai na aula de natação, já que ele não “nada nada”. 

menino e homem com óculos escuros olham para a câmera
Felipe e Rafa na praia

Já no litoral paulista e em contagem regressiva para nadar ao lado de Poliana, Rafa diz não ter pensando como vai conversar com seu anjo. “Vai ser algo relacionado ao medo, com certeza. Como enfrentar isso.”

A própria Poliana já contou em entrevistas que sofreu na transição piscina/águas abertas porque tinha medo do mar e só encarou o desafio por insistência do técnico e marido, Ricardo Cintra.

Se ainda tem dúvidas de como vai ser o papo com Poliana, Rafa diz saber o que esperar da experiência. “Todo mundo que já nadou no mar diz que é libertador e incrível. Diferente de tudo que estamos acostumados.”

 

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